segunda-feira, 28 de abril de 2008

O crime perfeito

A morte da menina Isabella foi o típico crime perfeito. Explico: não perfeito no sentido de se tornar impossível de ser desvendado. A autoria parece clara. E assustadora.
Foi o crime perfeito para a mídia televisa paulistano-brasileira. Num bairro da maior cidade da América Latina, envolvendo uma família de classe média e num cenário improvável para o grau da brutalidade.
Sem dúvida, um caso de enorme repercussão por todos os aspectos. Como é habitual, diante de um enredo dessa natureza a televisão é cruel. As minúsculas gotas de sangue que o caso deixou são consumidas com voracidade. Por horas e horas de programação.
Datenas e outros exemplares dessa fauna, que se banha de notoriedade nas águas avermelhadas das tragédias, gritam, gesticulam, espetacularizam o episódio. Do outro lado, milhões de curiosos mórbidos quase enfiam a cara dentro da televisão para tentar visualizar as vísceras da tragédia.
Não sei o que estará sendo mais trágico. Se a crueldade da morte da menina ou a crueza com que as redes de televisão exploram o caso. Aliás, com sucesso. A audiência dos telejornais subiu mais de 40%, desde que o corpo indefeso de Isabella tocou, fazendo um ruído seco, o gramado fronteiriço ao edifício de onde foi lançada.
Fosse Isabella uma menina de vestidos rotos, filha de família miserável, moradora num milhões de rincões incrustados no imenso território do país e estaria esquecida, sem defensores, sem falsos indignados, substituída nas manchetes das redes televisas por amenidades como o uso do cartão corporativo do governo para a compra de tapioca.
Caprichoso, o destino se incumbiu de oferecer à inescrupulosa maneira como a televisão é manipulada o crime perfeito.

Um comentário:

Anônimo disse...

A cobertura pela TV do assassinato de Isabella tornou-se o pior exemplo de humor negro do principal meio de comunicação do Brasil. Diante do prédio desfilaram sorveteiros, vendedores de algodão doce etc. Teve até um velhote safado fantasiado de anjo que alegou estar em busca de uma graça para sair da m. O repórter o seguiu e registrou quando guardava a fantasia num carro visivelmente semi-novo. Nem a Globo escapou à tentação, colocando o Fantástico na condição de canal de defesa do casal com aquela papagaiada de entrevista exclusiva. Aprendi que, em entrevistas jornalísticas, uma pergunta suscita outra. Não foi o que aconteceu. O pior é que há precedentes dessa comoção de lágrimas de crocodilo. No mesmo dia em que o país parou para chorar a morte de Ayrton Senna, uma mulher grávida de sete meses foi atropelada por vários veículos na marginal do Tietê. Do que sobrou, só os documentos permitiram identificá-la. E sei disso não por ter visto, ouvido ou lido qualquer notícia a respeito, mas porque sua morte foi citada numa crítica a esse comportamento esquisito do zé povinho.