quarta-feira, 27 de abril de 2011

Alguém está mentindo

1 – Os tempos são de sofismas, cinismos e mentiras. Mentiras, aliás, é absolutamente seguro que as há. Alguém, de algum lado, está mentindo. Não é possível que sejam todos, porque neste caso só poderia ser por fruto de uma combinação que, a um só tempo, seria tão monstruosa como espetacularmente burra. Então, esta é premissa excluída. Mas, que nesse angu tem caroço, isso tem sem qualquer dúvida.

2 – Causa, a mim pelo menos, enorme estranheza a repetição das acusações e a crescente inclusão de novos personagens. Nomes que surgem não às escondidas, na penumbra da política rasteira, mas que são ditos com todas as letras, só faltando que os mesmos sejam apresentados com os respectivos CIC e RG. De onde saem estes nomes? De maquinações maquiavélicas de mentes malévolas, invencionistas, empenhadas num processo de comprometimento moral de um ou outro pelo único prazer de promover a desgraça ou jogar a reputação de terceiros na lama? Nada é impossível neste mundo em que a ética, a moral e a decência são cada vez artigos mais carentes. Mas, detalhes que aos poucos começam a subir à tona sugerem haver mesmo, por ínfimo que seja, por desprezível que possa ser em sua dimensão, algo de podre em certo reino.

3 – Por acaso, cruzei com Maurício Gusmão no início da noite de segunda-feira na Rua Chico Venâncio. Eu o abordei acerca do tema em evidência. Não foi dele, pois, a iniciativa de prosear sobre o assunto. Maurício está profundamente machucado interiormente e, naturalmente, isso altera os ânimos, os humores e as disposições. Vou dizer com sinceridade: não acho que ele esteja sendo movido pelo sadio interesse de passar a limpo certos episódios recentíssimos, visando o interesse comum. Move-o, sem qualquer dúvida, uma razoável ponta de vingança. Isso não é bom. Mas, pior e mais grave é o fato de que ele parece informado acerca de condutas nada recomendáveis em esfera na qual está envolvimento o interesse dos cidadãos.

4 – Pois aí é que o carro pega. O autor das denúncias, feitas face to face em relação aos vereadores, na Câmara, não é o único que as conhece ou delas tem informação. Porque é mesmo impossível que fosse ele o detentor privilegiado dos sinais de escândalo, por uma razão elementar: irregularidades, escândalos e atos de corrupção não são praticados de modo isolado, mas com o concurso ou, no mínimo, com a condescendência de terceiros. Maurício diz que Benedito Sechinato sabia; este nega. Um dos dois mente. João Luis Teixeira insiste em que Rodrigo Sernaglia, então interino na chefia do DSM, confessou-lhe conhecer os fatos; este nega. Um dos dois mente.

5 – Estou curioso à espera da votação do requerimento de Robertinho Tavares, propondo que comissão legislativa investigue os fatos. No anterior, do cartel nas licitações, tinha certeza de que não passaria. Agora estou em dúvida. Mais para não do que para sim. Seja como for, aproveito para sugerir: convidem um representante do Ministério Público para acompanhar os trabalhos, se a comissão vier a ser instalada.

sábado, 23 de abril de 2011

As cruzes de cada um

1 – A Igreja Católica celebra, nestes dias, o sofrimento, o calvário, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Há grande adesão da comunidade às celebrações, que se abriram na quinta-feira e vão terminar amanhã, com as comemorações da Páscoa. São momentos apropriados para a reflexão e a meditação, no mais amplo dos sentidos. Seja no religioso em si, seja no pessoal, no profissional, social e político. Quanto cada um aplica em seu dia a dia os ensinamentos fornecidos pelo calendário cristão? Quanto se doam, se respeitam, se amam e se entregam ao semelhante? Acho que é uma continha fácil de fazer. Alguns talvez não possam ou não queiram fazê-la por saber, antecipadamente, o resultado final. Tudo bem. Começa a partir de agora para poder realizar a operação no ano que vem.

2 – Por falar em ano que vem, é quando não faltarão voluntários para todas as causas, generosos com todos os irmãos, corações bondosos com todos que sofrem e se afligem diante das dificuldades. Será, enfim, o ano em que todos serão bons, honestos, trabalhadores, sinceros e bem intencionados. Depois... Bom, depois é outra conversa. Alguns que ficam pelo caminho se tornam maledicentes e rogam pragas sobre quantos lhes apareçam pela frente. Vitoriosos vão curtir o sucesso e, de tal forma se inebriam com suas virtudes e suas magnas qualidades muito acima dos comuns, que esquecem das intenções manifestadas e dos compromissos assumidos.

3 – Não faltarão aqueles para os quais uma mínima cruz representará fardo insuportável e, inconformados com o que considerarão má sorte e com a impertinência dos cidadãos, se darão por vítimas de incompreensões cruéis, mártires dos novos tempos, cristos maltratados às chibatadas em íngremes caminhadas. Se farão de coitados. Afinal, buscaram o poder pelo conforto, o sossego e a unanimidade. Ora, se fosse para sofrer contestação, ouvir queixas, enfrentar oponentes e ainda ter que trabalhar, era preferível ficar em casa ou recolher-se a algum lugar onde o conforto fosse assegurado.

4 – Por mais que aqui esteja contida certa ponta de exagero ou até mesmo de injustiça, uma vez que há sempre as exceções, não será muito diferente disso que muitos farão após o gozo da felicidade nas urnas, no ano que vem. A política está demasiadamente profissionalizada para ser diferente. Concordo que, realmente, sofrer não é prazeroso. Mas, para o exercício de certos encargos o sofrimento é inevitável e até mesmo inerente. Ao dar à luz, a mulher sabe como é doloroso. Jesus ofereceu seu sacrifício em nome de alguma coisa, de alguém. Sofreu e morreu por uma causa. Os mártires modernos são diferentes. A causa são as grandes coisas que possam fazê-los prósperos e felizes, de preferência por muito tempo, sem a exigência ou a obrigatoriedade de sofrimento algum. Sofrer? ‘Tô’ fora.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Questões de lógica

1 – Devo estar realmente com sério comprometimento em meus neurônios. Não consegui entender a conduta da Câmara e, em especial, dos vereadores oposicionistas, nos episódios mais recentes. Senão vejamos. No caso já em fase adiantada de apuração, inclusive com Ação Civil Pública protocolada, tentou-se constituir uma Comissão de Inquérito, Investigação ou sei lá o que, para ‘acompanhar’ o caso. Deu em nada porque o rolo compressor do governo derrubou. E não sem um bom argumento: se há procedimento judicial apurando o tal caso do cartel, em que figura como acusado, entre outros, o prefeito Carlos Nelson Bueno (PSDB), o que faria a Câmara no caso. Questão de lógica, conforme a abordou o tucano Osvaldo Quaglio.

2 – Vai que, na mesma noite da rejeição da Comissão de Inquérito, um ex-auxiliar do governo municipal sobe as escadarias e, do mesmo lugar onde os vereadores discursam todas as segundas-feiras, proclamou: houve roubo no DSM. Não disse com estas palavras, uma vez que falou em desvio de sacos de cimento. Ora, desvio é eufemismo. O que disse Maurício Gusmão é que roubaram cimento da Prefeitura. É verdade que o acusador ficou nas generalidades, mas a grave acusação ecoou nos tímpanos de todos os ilustres representantes do povo com assento no Legislativo. Questão de lógica: se no primeiro caso (do cartel) a comissão era inútil ou desnecessária, no segundo, relativo ao cimento, a comissão seria indispensável, natural, óbvia, indispensável, inadiável. Qualquer outra coisa corresponde a omissão.

3 – Para meu espanto, não foi o que aconteceu. Não sei se amaciaram, se não levaram fé no acusador, se prevaleceu algum espírito de corporação, uma vez que o caso atinge um vereador, uma vez que o diretor do DSM é Fábio Mota, que por sinal na atual legislatura não exerceu o mandato por um dia. O fato é que, como eu disse pessoalmente a João Luis Teixeira, porque ele quis saber minha opinião, a denúncia trombeteada no plenário é o que equivale a um caso virgem – ninguém tocou nele, não há procedimento judicial, não há investigação alguma e se trata, como disse o ex-assessor Maurício Gusmão, de uma ocorrência de roubo. Estranhíssimo, pois, o silêncio dos vereadores. Este, o do cimento, era o caso em que legitimamente teriam o direito e o dever de apurar. Para condenar ou para absolver, como disse um deles por ocasião da votação da comissão que se pretendia para ‘acompanhar’ a Ação Civil Pública que trata da formação de cartel em licitações no âmbito da Prefeitura.

4 – Tendo a desconfiar o seguinte: no caso do cartel, na verdade não seria necessário apurar coisa nenhuma, porque o prato está pronto, após preparado e servido ao longo de cinco anos de investigação pela promotora Cristiane Correa de Souza Hillal. A comissão praticamente não assumiria responsabilidade nenhuma na hipótese de que o caso venha a naufragar. Agora, no tocante ao cimento, é diferente: seria necessário apurar tudo, letra por letra, vírgula por vírgula, ponto por ponto. E se a montanha viesse a parir um rato? Não preciso responder, não é. Afinal, são questões de lógica. Simplesmente.

sábado, 16 de abril de 2011

Em política não há mártires

O sr. Carlos Nelson Bueno, prefeito municipal de Mogi Mirim, repetiu lamentações nos últimos dias em virtude de algumas contrariedades políticas que está enfrentando. Contrariedades oriundas de críticas e questionamentos não necessariamente de oponentes, mas inclusive de dois representantes de seu próprio partido, o PSDB, na Câmara Municipal. Em certa passagem, o experiente político, com vários mandatos de prefeito municipal em duas cidades, de deputado estadual e de deputado federal, queixou-se de se sentir como se tivesse sido ‘condenado’ e não eleito para ser prefeito de Mogi Mirim, tantos os aborrecimentos a que tem sido levado. Em princípio, é estranho que alguém com tão largo e longevo currículo se pegue surpreendido e, portanto, contrafeito com as estocadas que leva dos que não lhe beijam a mão. A crítica, inclusive a não nobre, é inerente à vida política e inevitável a quem vai aos palanques em busca de mandato eletivo. Desse modo, críticas, acusações, denúncias, reclamações e tudo o mais que desagrade deve ser respondido com clareza e argumentos, não necessariamente, aliás, com bravatas e rompâncias, mas sobriedade e fundamentação capaz de convencer os cidadãos, que é a quem, aliás, deve satisfações. Se a oposição excede, e às excede mesmo, não é causa para chororô e nem muito menos para se fazer de vítima, erigindo-se à condição de mártir. Em política, diga-se, não há mártires. Há os que cumprem o dever e compreendem quais são as responsabilidades de seu mandato e os outros. Entre os outros figuram, por exemplo, aqueles que esbravejam e ameaçam, brandindo espadas pretensamente ameaçadoras. Mas, vendo por outro ângulo, as reações de Sua Excelência representam uma contribuição importante, um serviço prestado ao amanhã. Em pouco mais de um ano, estará sendo eleito o prefeito que governará Mogi Mirim pelos quatro anos seguintes – ou quem sabe cinco, se a legislação mudar. E, desde já, têm sido númerosos os pretendentes, fazendo prever que talvez se tenha uma das eleições municipais mais disputadas sob o ponto de vista numérico de candidato. As queixas do atual prefeito são um aviso, uma advertência e um ensinamento aos que se oferecerão à difícil tarefa de gerir os interesses dos quase 90 mil mogimirianos. Saberão que a posse da cadeira mais importante da cidade implicará receber afagos e sofrer petardos dos contrários. Se não querem sofrer os mesmos dissabores dos quais se queixa o experiente e calejado atual chefe do Executivo Municipal, que nem se metam à aventura, porque com qualquer que seja o escolhido não será diferente. Disporá de apoios e enfrentará críticos. Assim, não terão o direito de repetir as lamentações ecoadas insistentemente nos últimos dias, desde que devidamente advertidos de que governar pode equivaler à condenação de que fala o sr. Carlos Nelson Bueno. O mandato eletivo, como se sabe e aqui é repetido com cansativa insistência, é um compromisso voluntário, uma tarefa à qual ninguém é levado à força. O sr. Carlos Nelson, por exemplo, quis ser prefeito de Mogi Mirim. Já o é pela segunda vez, como duas vezes foi em Mogi Guaçu. Sempre porque quis. Quem o suceder, o sucederá por vontade própria. Sem direito de esperar a misericórdia de quem quer que seja.

O caso é grave mesmo

1 – Em algumas situações, parto de algumas premissas para avaliar certos fatos. Às vezes, isso me custa algumas pechas, mas faz parte do jogo. O caso presente é o que foi protagonizado por Maurício Gusmão, ex-auxiliar do governo municipal. Fez gravíssimas acusações. Quanto estas acusações têm de veracidade? Não sou capaz de avaliar. Mas, penso assim: em que circunstância alguém iria à Câmara Municipal lançar violentos ataques a autoridades públicas, ofendendo-as inclusive em sua reputação? Respondo: com alguma convicção de verdade ou, ao contrário, movido por insano ódio político ou inteiramente descontrolado mentalmente para inventar as histórias. 2 – Gusmão tem a lhe dar crédito o fato de, por certo tempo, ter habitado a intimidade do governo, inclusive como figura proeminente do partido a que pertenceu o prefeito, antes de tomar de assalto o PSDB. Foi dizer na Câmara ter havido desvio de sacos de cimento no âmbito do Departamento de Serviços Municipais. Disse ter ouvido a versão de Benedito Sechinato, o Pito, ex-assessor do DSM, onde viveu às turras com o titular do departamento, Fábio Mota. Por que diria ter ouvido de Pito, se de fato não tivesse ouvido? Onde arrumou o número, que teria sido de mais de 30 sacos de cimento? São coisas intrigantes, como ficou no que destino teria sido dado ao material desviado. 3 – Em síntese, o caso é grave. Gravíssimo. Para qualquer dos lados. Se verdadeiro, haverá de ser promovida rigorosa punição a todos quantos tenham se envolvido no episódio. “Duela a quem duela”, diria Fernando Collor de Mello em seu inesquecível e péssimo espanhol. E, desta vez, a Câmara não está diante de um caso já em tramitação na esfera da Justiça, mas com uma denúncia fresquinha, acerca da qual ainda não há instaurado qualquer procedimento investigativo. Se Gusmão inventou essa história, terá que pagar o caro preço da irresponsabilidade, da falsa denúncia, da calúnia, da difamação, de tudo em que se caracterize a falsidade trombeteada para a cidade inteira ouvir. 4 – Essas coisas me remetem para alguns anos atrás, a uma conversa com Ademarzinho de Barros, quando Paulo Silva havia acabado de tomar posse no cargo de prefeito, sucedendo Jamil Bacar. Paulo fez campanha com discurso moralista, empunhando até uma vassoura defronte ao Paço Municipal, após consagrado nas urnas. Era o símbolo de que havia sujeira e de que executaria a limpeza. Aí que ouvi de Ademarzinho a frase de que há corrupção em todos os governos. Nenhum escapa. Não porque todos os governantes sejam corruptos, mas porque nenhum deles é capaz de manter controle absoluto sobre a máquina. Em algum lugar sempre haverá um ralo a fazer vazar lama, por mais que o governante se assemelhe a uma vestal. E quanto mais a estrutura se agiganta, mais se torna incontrolável. Ainda mais quando os governos são compostos a partir de conveniências e relações de ocasião. A política é cruel – não se esqueçam.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A solidão é dolorosa

1 – Eu tenho a rua como a principal fonte de conhecimento acerca daquilo que acontece na cidade. É nela que se sabe de tudo, inclusive das coisas mais escabrosas e impublicáveis. Nestas andanças, dei-me de encontro com um ex-assessor do atual governo municipal. Importante e respeitado assessor enquanto esteve lá dentro. Dele ouvi o que, antes, já ouvira de outros. Desencanto e mágoa pelos métodos de que foram vítimas. Disse-me o interlocutor: “nunca mais sequer passei pela frente da Prefeitura”. Profissional de reputação e experiência, não mereceu um telefonema, uma misera palavra para informá-lo da exoneração e, ainda falsamente que fosse, um agradecimento pela contribuição durante o tempo que prestou seus serviços.

2 – Não me iludo quanto ao fato de que a política não é mesmo um terreno com a fertilidade necessária para fazer vicejar a consideração, o respeito, o reconhecimento e a gratidão. Ao contrário, é o campo em que, na visão de quem tem o poder na mão, todo e qualquer humano é bom enquanto útil e serviçal. Em outras palavras, o assessor é descartável. Como exceção, há casos em que a condição se altera ao saber de circunstâncias e interesses que, embora envoltos em densa escuridão, se explicam com toda claridade. A regra geral, todavia, é a que fulmina personalidades sem dó nem complacência.

3 – Esse processo, cada vez mais comum, explica algumas aflições de parte de indivíduos que, mesmo concentrando avantajadas fatias de poder, não vivem a felicidade plena. Às vezes, nem a mínima. O fenômeno também revela que a qualidade de líder é uma raridade no cenário político. Por consequência, rareiam também os liderados. Nos tempos atuais, a relação é outra, de conveniência, de ‘companheirismo’ cuja fidelidade depende dos números no holerite. E, sendo desse modo, troca-se de ‘companheiro’ a qualquer hora, por qualquer razão, sem dar satisfação sequer por um mínimo princípio de educação.

4 – Em conclusão, examinando o que é a política em prática nestes modernos tempos do terceiro milênio, quando o natural seria estarmos rodeados de lideranças modernas, cultas, democráticas e comprometidas com as urgências que o futuro projeta logo a um palmo adiante do nosso nariz, o que se vê é muito diferente. É a prevalência de agrupamentos ocasionais, construídos em torno de velhas e carcomidos ideias, sem costura ideológica, programática ou de qualquer espécie que não seja o apetite por uma fatia do bolo e o controle interminável do poder. Como há ‘liderados’ disponíveis para serem recrutados nas esquinas, onde a qualquer momento também podem ser descartados, os ‘líderes’ agem imperialmente, não insensíveis, entretanto, ao grau de isolamento a que estão se condenando. “Entro no meu carro e a solidão me dói” cantarolava Roberto Carlos em memorável sucesso. Acho que é uma leitura moderníssima. Solidão dói!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Rivaldo, o furacão

1 – Após mais uma daquelas experiências que mostram quanto somos frágeis diante da vida, constato alto similar a um furacão se abatendo sobre a cidade. Rivaldo vai jogar no São Paulo. De início, desdenhei as primeiras fontes. Mas, depois tudo se confirmou, o que não seria nada além do natural na relação entre um profissional de futebol e um clube. O problema está nos entornos do caso, que tento olhar sem passionalismos. Antes, confesso ter sentido certo desencanto, após ter feito aqui mesmo, há cerca de dois meses, uma proclamação de entusiasmo acerca do Mogi que estava sendo armado para o Campeonato Paulista.

2 – Com certeza, as razões para o acordo com o São Paulo devem ter sido muito fortes e muito interessantes não a Rivaldo necessariamente, mas ao Mogi Mirim. Minúcias disso talvez nunca se saibam. Mas, resumo: deve ter sido um ótimo negócio. Da altura dos seus 38 anos, não acredito que Rivaldo se deixaria enlevar por migalhas. E acredito, por outro lado, que conjugou dois interesses: os do Mogi e os seus no sentido de, ao retornar ao Brasil, defender um grande clube. Manifestou essa vontade há alguns meses, quando não cogitava a hipótese de defender o clube que preside.

3 – Agora, o lado oposto. Se o jogador Rivaldo fosse emprestado para defender o São Paulo, como foi emprestado ao Corinthians antes de ir ao Palmeiras, seria um fato natural. O problema é que, junto com o jogador, foi também o presidente do Mogi, que por disputar a mesma competição que o Tricolor tem interesses conflitantes. Pode não acontecer nada, mas gera desconfiança. Neste caso, o quesito ético levou um belíssimo pontapé e foi parar no... Uzbesquistão. E nada resolve se, eventualmente, Rivaldo se licenciar da presidência do Mogi Mirim, porque isso nada mais será que uma indisfarçável farsa.

4 – Por experiência de vida pessoal e profissional, não me iludo. No Brasil, o futebol foi erigido sobre os alicerces da esperteza. O respeito à ética raramente fez parte de seu histórico. É o campo do vale-tudo, onde clubes, dirigentes e atletas se matam ou se amam conforme as conveniências. O caso presente é apenas mais um e bem ilustrativo. Quando Rivaldo decidiu defender o Mogi, acertadamente todo o marketing do clube foi focado nele. Avalizado na sua palavra. Temo que, agora, por mais que o campeão mundial tente consertar esse estrago, como a venda de carnês sob promessa de sua presença em campo, seja insuficiente para recuperar sua credibilidade perante os mogimirianos. A credibilidade do time depende do que fizer em campo.

5 – Vou me aventurar a dizer que o arrepio ao componente ético está presente também na negação ao compromisso antes assumido de vestir a camisa do Mogi. Na verdade, Rivaldo fez um contrato tácito com a cidade, mais do que o fez expressamente com o clube, no papel. Explica o rompimento, na tentativa de convencer os mogimirianos, com acenos de futuro, com vantagens que o clube vai auferir ao longo do que seria uma parceria com o São Paulo. Esquece um detalhe: para o torcedor, do Mogi ou de qualquer outro clube, importa o agora, a capacidade competitiva do time que vai entrar em campo amanhã. E hoje, o que está no ar é uma monumental sensação de desencanto.