sábado, 4 de junho de 2011

Exercício solitário

1 – Vamos imaginar que um arquiteto, em dia de mau humor, descarregasse seus sentimentos no projeto que determinado cliente lhe encomendou. Ou que o médico fizesse o mesmo com o paciente na iminência de ser submetido à cirurgia. Os resultados seriam desastrosos. Mas, os arquitetos e os médicos não agem assim, como não agem desse modo os jornalistas. Mas, curiosamente, algumas pessoas ficam a indagar sobre as causas que levaram determinado jornalista a certas opiniões, como se ele não fosse capaz de agir racionalmente, sem se deixar influenciar pela paixão ou o sentimento ocasional, seja ela qual for.

2 – Esta semana, falei com Luiz Netto ao telefone. Ficamos de programar uma conversa daquelas sem começo nem fim. Uma troca de ideias. Entretanto, o ex-prefeito, de quem por sinal fui chefe de Gabinete, me revelou ter ouvido de amigos comuns que estes se incomodam em querer achar razões fora do limite da racionalidade nas opiniões que emito em relação ao governo da cidade e, particularmente, o prefeito Carlos Nelson. Certa vez, ouvi de Suzete Rodrigues de Moraes a indagação: “o sr. está com raiva do prefeito?”. Quero crer que Suzete desfez a suspeita, que todavia ainda é cultivada por alguns.

3 – Me perdoem estender considerações sobre o tema. Mas, vejam uma particularidade interessante: determinados personagens são incapazes de, antes de olhar a assinatura de quem escreve, avaliar a procedência e o caráter razoável do que está escrito. Pensam com aquela obtusidade de que, vindo de quem veio, a crítica é desprezível porque o autor é particularmente interessado. É uma monumental bobagem, como de resto grande parte dos que nos cerca não passa disso mesmo. Justiça seja feita que isso também acontece no sentido contrário. Ou seja, há também os que acusam servilismo ao poder, por antecedentes que ficaram na história. Acabei de dizer, agora mesmo, que servi ao primeiro governo de Luiz Netto e, no entanto, por bons anos vivemos em contradição. Eu em relação a ele, ao que ele jamais deu a menor importância.

4 – Para não alongar mais ainda, vou aos finalmente. Cultivo convicções. Boas ou ruins, mas as cultivo. Uma delas é a de que em tudo há de haver o contraditório, o outro lado, o contraponto. Se não for assim, cairemos inevitavelmente na vala da opinião única, dominante. Insisto sempre que não tenho as melhores ideias. Cometo a presunção de possuir algumas e meu ofício impõe explicitá-las, mesmo que ante o risco de não serem consideradas e compreendidas e até mesmo desdenhadas. Também repito à exaustão não possuir a menor expectativa de impor conceitos. Não escrevo sentenças. Opino. Com a crença de que os conceitos sejam capazes de causar alguma reflexão. Considerando o monumental silêncio que retorna como resposta, é quase um exercício solitário. Me conforta, ao menos, não fazer o papel de avestruz.

2 comentários:

Joninhas disse...

3 palavrinhas pro fascismo mogimiriano: "interesse, incapacidade e obtusidade"
Vou pra Ponta da Bota q ganho mais. ;)

Rui Motta disse...

Expor as ideias é um ministério, uma compulsão e um dever. Silenciam os que não sabem usar a defesa. É seu direito ter raiva, e mesmo expressa-la por todos os meios. Os que não se acostumam talvez estejam absortos na apatia das inteligências. E aí florescem as nulidades que merecem as críticas. Pau neles!